Desde pequena, tanto minha mãe quanto meu pai tinham o hábito de me abraçar e me cheirar, como quem reconhece a cria pelo aroma. Hoje, percebo que faço o mesmo, seja nas vivências e meditações em que eles aparecem, seja ao abraçar minha gata Sheha ou as pessoas que amo.
Meu olfato, tanto interno quanto externo, é extremamente aguçado. Meus ouvidos também captam o mundo com profundidade. Já meus olhos e boca são mais contidos, menos expressivos.
Hoje, quero falar sobre uma das faces das sombras. É somente quando reconheço a sombra que consigo enxergar a luz que habita ao lado.
O Caminho Trilhado e os Sacrifícios
Sei cada passo que precisei dar para conquistar o que sou hoje. Honro o conhecimento, a fé, a disciplina, os dons e a devoção que me trouxeram até aqui. Respeito cada sacrifício – ou melhor, cada sagrado ofício – que fiz para me tornar a mulher que sou.
Aprendi que, quando decidimos brilhar, a luz incomoda aqueles que permanecem no escuro. Muitos preferem não usar seus dons, e é mais fácil criticar do que arriscar. Nunca tive um “bom emprego” no sentido convencional, e por isso precisei empreender na minha profissão, me entregando ao que sempre quis. Hoje vivo disso. É desafiador, mas é também motivo de amor e orgulho. Defendo essa escolha como uma mãe defende seus filhotes.
Os Cheiros da Vida
No caminho, às vezes chegam cheiros que não caem bem – violentos, incômodos. Muitas vezes, esses “odores” vêm de palavras ou olhares lançados por outras pessoas. Nessas situações, escolho não reagir. Meus pais me educaram assim, e decidi manter esse princípio.
Ainda assim, sei que pensamentos podem ser tão densos quanto palavras. Pensar algo negativo é, de certa forma, emitir esse peso ao mundo. Quando isso acontece, dou um passo atrás. Percebo o mau odor ao meu redor, mas chamo meu anjo da guarda e me recordo do perfume sagrado que carrego em minha essência – o mesmo perfume de amor e respeito que reconheço nos meus pais.
Relembro que esses odores pesados, essas sombras, são ilusões: verdades pelo avesso. Respiro fundo e decido não me entregar ao impulso de reagir. Escolho a ação consciente, o recolhimento sereno.
Integrando Sombras
Não contraceno com a sombra, mas a reconheço. Chamo a força do arquétipo de Kali, guardo meu cálice perfumado na fé de que o mau odor passará. Sei que a luz, como um vento suave, sempre retorna.
Aprendi que ninguém é melhor ou pior que ninguém. Todos possuem sua luz. Aqueles que não reconhecem sua própria luz sentem-se ameaçados pela luz dos outros. É apenas uma questão de tempo e consciência para que eles descubram a luz que também possuem.
Integrar a sombra é reconhecer o odor presente, tanto nos outros quanto em nós mesmos. Não se trata de fingir que ele não existe – já fiz isso antes, como uma menininha assustada que corria para se esconder. Hoje, escolho inspirar esse odor, reconhecê-lo, olhá-lo nos olhos e dizer: “Aqui ainda somos pequenos.”
Mas ao invés de reagir, escolho agir.
Como dizia minha avó, com sua sabedoria simples e certeira: “Não queira ir pro céu com tripa e tudo.”